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1. |
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GUARDADOR DE REBANHOS
Toda a vida fui pastor
toda a vida guardei gado
tenho uma cova no peito
de me encostar ao cajado
Já ouvi cantos do vento
sobre mim nomeu pensamento
ai quem me dera ser desejo
Procurei rios de ternura
nem senti a vida a ser dura
ai como eu vivi
Toda a vida fui pastor
toda a vida guardei gado
tenho uma cova no peito
de me encostar ao cajado
de me encostar ao cajado
lá nos campos ao rigor
toda a vida guardei gado
toda a vida fui pastor
Como se a noite caísse
no meu pranto como mel
e eu já cansado fugisse
sentindo o sabor do fel
Toda a vida fui pastor
toda a vida guardei gado
tenho uma cova no peito
de me encostar ao cajado
de me encostar ao cajado
lá nos campos ao rigor
toda a vida guardei gado
toda a vida fui pastor
Vou deixar atrás os meus olhos
na lembrança doutros beirais
ai das tardes secas
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2. |
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ALGO É NOSSO
Procurar por nós
em cada terra
perder o frio
razão da perda
só sabes
que tudo é nosso
Saber que há raiva
no ventre seco
perder ganhar
cair num beco
só eu sei
que nada é nosso
Morar no cimo
de uma memória
correr a fio
as partes da história
só nós sabemos
que algo é nosso
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3. |
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NESTA TERRA
Eu já quis mudar o destino dos campos
sem me recordar que foram sempre assim
onde outrora houvera um gelado silêncio
há agora planície que arde sem fim
Eu já quis mudar o curso dos rios
pra matar a sede desta solidão
sem me lembrar que estavam vazios
como esta terra vermelha de sangue do verão
E se houver alguém que nos guarde
e nos proteja do que está pra vir
talvez pr’ o ano se amasse o pão que esta terra florir
E se houver alguém que nos sinta
e nos dê voz pra cantar
talvez pr’ o ano se cante o que esta terra nos fez penar
Eu já quis elevar bem alto esta terra
onde os olhos se perdem e se esquecem de ver
onde me sento e liberto o enfado da tarde
que arde no trigo que ainda está por colher
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4. |
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ONDE VAIS TU CAMPONESA
Onde vais tu camponesa
com o teu olhar distante
levas no peito a certeza
desse alguém
desse alguém que é teu amante
Onde vais tu tão airosa
de avental preso à cintura
não sei se o teu nome é rosa
se é de rosa
se é de rosa essa ternura
Ai quem me dera ir contigo
lá prós lados do montado
Ai quem me dera seres abrigo
pró meu corpo tão cansado
Ai camponesa
Onde vais tu camponesa
chapéu de palha madura
levas conrigo a beleza
desse corpo
desse corpo que é frescura
Onde vais tu tão trigueira
leva-me contigo a ver
o sol a bater na eira
e o trigo
e o trigo amadurecer
Ai quem me dera seres um dia
minha flor pra eu cheirar
Ai quem me dera a alegria
de poder contigo andar
Ai camponesa
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5. |
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6. |
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VOAR MAIS ALTO QUE OS MONTES
Ai quem me ajudar
porque não sou ninguém
sem ter alguém a quem consolar
Quero sair daqui
procurar o sentido
há muito perdido esquecido por mim
Já não sou de ninguém
ando a vaguear pelo ar pelo ar
perdido a sonhar
Vou gritar para os céus
vou tecer uma raiva que enleia
e enleve os olhos meus
Quero sentir a paz
dessa luz infernal que me aquece
e arrefece os sentidos
Tenho sede de ver
as papoilas que dançam redançam
no seco dos campos perdidos
Ai quem me ajuda a voar mais alto que os montes
Ai quem me ajuda a beber a água doutras fontes
Se algum dia eu morrer
quero o povo a dançar beber pular
no meu corpo
Ofereçam-me às aves
dou-lhes a minha carne que arde
e arde no fundo
Contem histórias de mim
aos filhos que virão e serão
servidores do mundo
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7. |
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RIO POR ONDE VOU
Corre rio corre por entre
os trigais de mim
quero que corras pra além
do princípio e do fim
Conta-me se a primavera ainda floresce nos campos do norte
mostra-me as águas do mar onde morres desgasto da corrente forte
Grita rio grita por entre
os dedos da dor
que há quem te ouça buscando
sempre o mesmo amor
Conta-me se a primavera ainda floresce nos campos do sul
mostra-me as águas do mar onde tu vais morrer tornado azul
Corre rio corre por entre
os trigais de mim
quero que corras pra além
do princípio e do fim
Conta-me se a primavera ainda floresce nos campos do norte
mostra-me as águas do mar onde morres desgasto da corrente forte
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8. |
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CLARISSA À BEIRA MAR
Hei-de ver-te assim no vento
do sossego deste mar
hei-de dar-te mil papoilas
no silêncio de te olhar
Hei-de cobrir-te de rosas
de roseiras que inventei
hei-de contar-te uma história
que nunca a ninguém contei
Serei um barco à vela
navegando em teu redor
verei em qualquer estrela
um abrigo pra minha dor
sentirei em teu cabelo
mil segredos por desvendar
serei teu escravo – teu castelo
clarissa à beira mar
Hei-de dizer-te o que sinto
na certeza de te amar
eu não sei se te pressinto
ou se estás por revelar
Hei-de olhar-te assim sem pressas
no sussurro dos trigais
farei de ti primavera
nos mais loucos vendavais
Serei um barco à vela
navegando em teu redor
verei em qualquer estrela
um abrigo pra minha dor
sentirei em teu cabelo
mil segredos por desvendar
serei teu escravo – teu castelo
clarissa à beira mar
Ah hei-de te encontrar um dia
e dizer-te palavras loucas
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9. |
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DO NAUFRÁGIO AO NOVO DIA
Tanta água tanta sede
tanto riso sem idade
tanta mágoa tanta rede
ofuscando a claridade
Depressa é noite
e o silêncio já nos chama
ao longe como um açoite
o mar é nossa cama
Tanta água tanta pressa
a vida passa e não nos poupa
tanta mago que se apossa
da nossa carne que é tão pouca
Dia a dia nos vestimos
deste mar que nos assusta
as tempestades que repartimos
são o medo que já não nos ofusca
julguem o que julgar
hei-de ser um dia
um barco a naufragar
rente ao rosto da alegria
num cristal à beira mar
hei-de ser um dia
outro barco a navegar
Um cigarro ajuda às vezes
a esquecer a tradição
desta vez já dão mil vezes
outra reza outra oração
Deus nos guarde deus nos preze
até que outro dia acorde
esta vida tão agreste
é cão que ladra e às vezes morde
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10. |
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MAGIA
Se eu soubesse que cantando
Caminhava sem saber
Pelos caminhos do meu pranto
Dando à sede de beber
Magia pelo meu corpo
Sentia todo esse fogo
Qualquer coisa me dizia
Muito ao longe de meu ser
O caminho era duro
Tinha pressa de correr
Para chegar ao meu destino
Pra encontrar outro caminho
E se a água de evapora
E se a sede se demora
E se essa sede de outrora
Me quisesse procurar
Eu só eu abrindo a madrugada
Eu só eu
Magia que trago pra além de tudo ou nada
Tão tudo tão nada
Se a dúvida que trago
Brotasse de minha voz
E desse a saber ao mundo
Quão pequenos somos nós
Temos magia por todo o nosso corpo
E eu sentia todo esse fogo
Uma terra aqui nascida
Uma terra percorrida
Uma pressa que perdida
Ainda tento encontrar
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