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1. |
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BRAVA VOZ
Segue o teu caminho
que a chuva por ti traça
e o vento de mansinho
é segredo que em ti passa
Veste agora esse sorriso
que os olhos te querem dar
porque aquilo que é preciso
será sempre caminhar
Segue segue segue essa brava voz
grita aos céus as vozes do mar
conta canta o que é que vai ser de nós
quando um ano novo chegar
Segue a tarde calma
de chuva amargurada
é que a dor que nos vai na alma
já comanda a madrugada
Veste agora esta alegria
que à noite te há-de aquecer
bem ao longe vem o dia
já perto o anoitecer
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2. |
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FONTE PERDIDA
Vês-te tão só
com uma fonte e uma flor
e um pretexto nas mãos
que te diz pra ficar
Dizes que é tarde
e o sol desce do céu
que te faz a vontade
e não te deixa voltar
Dá-me um pouco da vida
um pouco da tua vida
da água da fonte
Dá-me um pouco da vida
um pouco da tua vida
da água da fonte perdida
Por trás do rio
que te envolve nos olhos
uma lágrima de orvalho
tão capaz de cair
Há um clamor
de lezíria em teu corpo
e perfuma o segredo
que não podes sentir
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3. |
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DESCE DE TI
Desce de ti
põe um brilho nos olhos e olha p’ra mim
Diz-me o que vês
se é um pouco do nar que ainda não tens
Desce de ti
põe um rosto como eu nunca vesti
Conta o amor
que nos cai do rosto p’ra destino melhor
Agarra o sonho
no teu mais breve andar
neste mundo tão estranho
vontade que rens de sonhar
Agarra o sonho
no teu mais brave andar
o sol que de frente
tens de olhar
tens de olhar
Desce de ti
põe um brilho nos olhos e olha p’ra mim
Diz-me o que vês
se é um pouco do nar que ainda não tens
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4. |
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MARINHEIRO D’ ÁGUA DOCE
Como se fosse
marinheiro d’ água doce
e deitasse âncoras ao rio
Como se o vento
soprasse em minhas velas
brancas tecidas pelo estio
Fico olhando a planura
dos mesmos campos secura
do meu desvario
Como se fosse
lavrador desse teu mar
e deitasse à terra sementes
Como se o vento
escutasse as minhas preces
vagas cantadas pelas gentes
Fico à espera do trigo
dos mesmos campos o abrigo
que meu corpo sente
Quem me dera ir ver o mar
neste barco inventado
pela vontade de alcançar
o silêncio doutro prado
Como se fosse
marinheiro d’ água doce
levantando âncoras do rio
Como se o vento
soprasse em minhas velas
brancas tecidas pelo estio
Ia procurar segrados
daqueles campos os medos
do tão seco frio
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5. |
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TUDO O QUE NÃO VIVI
Jamais
eu vou poder gritar
por ti
se tu perderes a voz
no mar
onde eu quero navegar
sentir
um céu que ‘inda há pr’a nós
Vais ter
de me agarrar nas mãos
subir
ao meu destino e ser
porque eu
quero voltar a ser
teu mundo
e tudo o que está pr’a vir
Vou voar no espaço
perder-me em teu mundo
dançar por ti
Vou marcar meu compasso
perder-me por tudo
o que não vivi
Jamais
se tu perderes a voz
por mim
tu vais poder gritar
e sentir
um céu que ‘inda há pra nós
no mar
onde querias navegar
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6. |
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CEGO DE OLHAR EM FRENTE
Dáva-te um barco e um cais
e as sete cores do arco-íris
além no monte dos vendavais
Dáva-te a magia dos horizontes
e as vagas largas enfeitadas
além na água das fontes
Dáva-te um campo inteiro a florir
e as espigas maduras da planície
além num recanto a sorrir
Dáva-te um caminho e uma estrada
e as sete maravilhas do mundo
além onde ameaça a trovoada
Cego de olhar em frente
alcanço os dias lavro sementes
corro além no doce agreste da terra
Cego de olhar em frente
abraço alegrias cerro meus dentes
do frio que percorre a fome e a guerra
Dáva-te um sonho tão antigo
e uma esperança renovada
além no sono profundo do trigo
Dáva-te um barco e um cais
e as sete cores do arco-íris...
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7. |
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SENHORA DOS MEUS AIS
Ah senhora dos meus ais
porque fazes nascer tantas marés
tão longe do meu cais
Ah senhora dos meus gritos
porque não fechas e cegas
os olhos dos aflitos
Com que voz senhora
com que força de pedir
o mastro que me segura
me vai est’ hora acudir
E se a giesta me revelar
que é longe o dia que hás-de vir
não sei se a sede de ficar
me tira a vontade de partir
Ah senhora do alto mar
porque agitas em meu sinal
a voz que me faz gritar
Ah senhora dos meus dias
acalmas as vozes já gastas
das mãos destas agonias
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8. |
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MARGARIDA MINHA FLOR
Margarida vai à fonte
de cantarinha na mão
vai descalça margarida
sorriso no coração
Margarida da minh’ alma
divertida na tarde calma
Leva a brisa no cabelo
e um campo no andar
vai pela rua tão formosa
leva o verão no passar
Margarida saia aos folhos
tão garrida nos teus olhos
Margarida vem da fonte
de cantarinha já cheia
vem descalça margarida
é a luz que me incendeia
Margarida minha flor
minha vida meu amor
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9. |
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CORO DAS CEIFEIRAS
Ceifeiras
ligeiras
vão espigas cortar
desse oiro
tão loiro
que o pão há-de dar
Ceifeiras
ligeiras
benditas sois vós
que rindo
sorrindo
labutais por nós
Curvadas
coradas
do esforço lá vão
cantando
ceifando
de foice na mão
Ceifeiras
ligeiras
cantai sem fadigas
que a brisa
precisa
das vossas cantigas
A gente
que sente
as vossas canceiras
se orgulha
da bulha
que fazeis nas eiras
Nas searas
tão claras
as vozes cantando
são vida
garrida
que o sol vai queimando
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10. |
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ABRIGO AO VENTO
Secam-se os olhos da água que resta
abrem-se as mãos que agarram a giesta
e o meu abrigo ao vento é um lugar comum
Secam-se os rios da fome da vida
abrem-se os olhos e é longa a corrida
e o nosso abrigo ao vento não é lugar algum
Fugir de mim é loucura
cantar ao sol é desejo
já está longe essa frescura
já é outro este Alentejo
Secam-se as fontes do teu amanhecer
abrem-se as noites tão longas sem querer
e o nosso abrigo ao vento não é lugar nenhum
Fugir de mim é loucura
cantar ao sol é desejo
já está longe essa frescura
já é outro este Alentejo
Secam-se os olhos da água que resta
abrem-se as mãos que agarram a giesta
e o nosso abrigo ao vento não é lugar nenhum
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11. |
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MANSIDÃO
Acordo e cerro os olhos
a mão agarra a terra
Cedo a vida cobre
de orvalho a mansidão
Fresco o ar afaga
os dedos do amanhecer
Acordo e abro os olhos
a mão deixou a terra
Tarde a noite vem
cobrir a mansidão
Quente o ar descobre
as mãos do renascer
De novo
de lua e de acordar
é faita a cor de meu olhar
no tempo
viajo p’ra esquecer
Corro sem sentir
a vida a gracejar
De mim vem o calor
do sonho de viver
Agora o silêncio
palpita já no ar
Paro aqui e durmo
acordo e cerro os olhos
De novo
de lua e de acordar
é faita a cor de meu olhar
no tempo
viajo p’ra esquecer
os dias já cansados
– meu sofrer
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12. |
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DE MÃOS SECAS
De mãos secas ao vento
de vozes feitas de mar
pedimos as graças do tempo
cantamos um barco a chegar
Com passos de beduíno
ao céu erguidas as mãos
traçamos o nosso destino
pedimos à terra este pão
Às vezes na memória
o gesto conta-nos tudo
Abrimos os olhos à terra
rasgamos um grito mudo
Às vezes na memória
o gesto conta-nos tudo
Abrimos os olhos à terra
rasgamos...
De mãos secas de vento
cantamos a madrugada
e temos medo da noite
que cai vinda do nada
Às vezes na memória
o gesto conta-nos tudo
Abrimos os olhos à terra
rasgamos um grito mudo
Às vezes na memória
o gesto conta-nos tudo
Abrimos os olhos à terra
rasgamos...
De vozes feitas de mar
cantamos toda a verdade
bebemos a água que resta
da fonte desta saudade
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